terça-feira, 29 de outubro de 2019

vendo um filme da tua perversidade passar

eu quero ver você
fritar que nem pipoca
ver tua pressão subir
olhar tua voz sumir
de tanto berro sem direção
quero tua jugular saltada
teu olho estalado
o teu cuspe
mais
que a tua palavra
esbraveja
morde
se enfeza
quero ver você dizer
chega
deu
perder o ar
quero
nessa hora
quero você consciente
vendo um filme
da tua perversidade passar
sem exílio
sem prisão
apenas vendo
o filme
e sem parar
da tua
sem nunca mais parar
perversidade
passar

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

... de gim

Toda e qualquer performance sexual não iria te tirar do objetivo de nunca mais me ver. Abandonado no hotel estou atento aos gemidos dos vizinhos de quarto, que escuto pelo respiro do banheiro. Você já gozou e saiu, eu apenas percebo o quanto ele bate, suponho, na bunda dela. Ela está aos gritos, aquilo deve ser bom, ela pede mais e eu tomo banho. Estaria excitado se não tivesse deixando a água me limpar de você e percebendo que, talvez, podíamos ter permanecido sem essa última transa. Hoje foi nossa última noite, mas talvez naquele chuveiro eu ainda não saiba. Quando acordei, não pensei jamais que reviveríamos o sexo apaixonado e impactante dos anos iniciais da nossa relação. Eu estava certo. Não foi bom. Não foi. Não revivemos nada. Ali enquanto decidíamos fazer isso, condições eram impostas. Era muito mais interessante deixar rolar aquela estação de rádio de música dos anos 70, dessas que nos fazem viajar numa nostalgia de algo nunca antes vivido. E assim termos decidido apenas dormir juntos. Dentro de um roupão, percebendo sua ausência e ao pé da cama ameaço um choro soluçado, mas penso que paredes têm ouvidos. Me intriga o papel de parede. Se aquele papel de parede de arabescos em marrom com fundo salmão falasse, narraria novelas inteiras com histórias inventadas dos hóspedes que haviam passado por lá. É que olho fixamente pros arabescos que dançam ao som de "If you leave me now" cantada por essa banda Chicago anunciada por uma voz suave. Não poderia ser mais ilustrativa: OOOoOoOOOOooohhh please don't go. Famosa. Sei lá, é música que a gente sabe. Canções que pedem pra você não ir, jamais adiantariam depois de tanto ensaiar essa partida. Eu fico e você vai. Eu enrolado no roupão, sentado na cama, olhando arabesco e você ganhando a rua, sua sonhada liberdade. Emancipado. Eu quero chorar, mas a próxima música a tocar é "Young Hearts Run Free". Lembro que sou jovem, mas que você é mais jovem ainda. Me questiono se roubei sua juventude ao te amarrar aos 21 e te ver sair pela porta aos quase 30. Esses corações que correm livres precisam de muita coragem pra se estabelecer em outros peitos. E se alguma informação bater será apenas para dar mais veracidade à ficção. Eu sumo por mais alguns instantes. Uns leves apagões de sono, seguidos de solavancos tão urgentes, quanto essa nova realidade. Por que você apareceu depois desse tempo todo? Por quê? Está calor. O ar não dá conta. Barry White. Sai roupão. A cama é a única testemunha do nu, que no meu delírio embriagado é um nu artístico. De bruços e bem espalhado. O toque do lençol egípcio. "É caro sim meu amor", divaga meu pensamento mesquinho, "não ficou, porque não quis" - continuo. Rio só. Calor com ar no 15. Lamento e logo em seguida, pela primeira vez passo a não te dar tanta importância. Não caí de amores porque você me ofereceu um gim e eu achei chic. Jurava que nem de vinho você gostava. Esse bar do hotel. Arabesco ahahahahahaha. Você veio mesmo? O que é essa mão de deus apertando minha garganta? Um gosto de remédio, um sono súbito e uma falta de ar. Palpito. É você saindo de mim. Será que eu vou sentir isso pela última vez? Isso tudo que você continua me causando. O quanto você me deixou doente. Aquilo que você colocou no meu gim, parece que finalmente vai fazer o efeito desejado. Você vai sair pra não me ver morrer e espero que esteja feliz por ter conseguido me matar. Aqui estou radiante por você ter se livrado de mim. Aquela bebida forte. Um pouco mais pra ser mais rápido por favor e em um minuto estarei definitivamente livre de você. Não poderia ter sido mais genial. Quarto de hotel, Copacabana, overdose, papel de parede fancy, antena 1, num futuro que poderia ser agora. Obrigado por fazer eu me livrar de você. Você pensou em tudo. Tende piedade de nós era uma oração?

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Mais uma

É que tudo se torna gatilho quando a gente está frágil. E tudo se torna frágil quando as certezas se vão. Eu era tão cheio delas, hoje não. Percorri teu bairro como percorri teu corpo, mas não te achei nem aqui nem em lugar nenhum. Subi as escadas que davam pra tua janela, não vi a olho nu, nada. Eu estava acostumado a falhar no luto, relutar. Em meio segundo eu já perdi a inspiração, me perco como em tudo nessa vida. É disso que eu tô falando. Desse foco que não sai do seu país, do país você. Esse blog era, inclusive, em primeira pessoa. Agora ele é o quem tem, onde se vem e diz, apenas solta, desmancha-se em palavras, em letras e finalmente as engole, porque jamais as ousaria dizer por aí. Anos, meses, horas e tudo mais que vai ter que passar pra eu ter coragem de olhar com sinceridade pra mim mesmo no espelho. Esse melodrama, esse sofrimento contido, essa angústia disfarçada de poema e esse lençol testemunha do que antes podia se chamar de amor e hoje de todas as tentativas de recuperar o tempo perdido. Eu me sinto uma rua esburacada por onde os carros passam e se estropiam, por onde os homens maus passam e se irritam, os homens maus me xingam, cospem, esbravejando com ira minha existência. Eu sempre fingi auto-estima, eu sempre fingi sorrisos, eu sempre fingi que não ligava e olha no que deu. Agora nem os pássaros vem cantar na minha janela, eles gritam e eu grito, sangro e escorro pra ser bem fatalista. A corda continua bamba, as músicas continuam sendo feitas, as bandas continuam existindo e os gatilhos continuam disparando o terror na minha cabeça. Cercado de tanta confusão eu vou percebendo quanta miséria eu evitei presenciar na vida. E o pior, descobri que aqueles medos que a gente mais sente, acontecem. Eu sou meu próprio tribunal, minha própria justiça, minha própria sentença, sou inegavelmente responsável. Miseravelmente responsável, irritantemente responsável, talvez seja um pouco isso a causa de tanta junção ter se transformado no mais completo apartheid. Agora que outras músicas já, obviamente, fazem parte de um novo repertório de encontros percebo a frieza de Coldplay, um gatilho frio e cirúrgico dessa arma química localizada dentro da minha cabeça que, ao disparar, me faz lembrar de você.

de nascer

quem quiser  quem for ver vai dizer que o tempo passou voando não vai mentir vai sentir um vento na cara, natureza talvez sorrir parece que ...